sexta-feira, 23 de abril de 2010

Alice

Em tempos de "Alice no País das Maravilhas", aproveito pra compartilhar um texto que conheço desssssssde que eu tinha o tamanho da Alice (embora isso seja algo muito relativo). Já devo ter lido umas mil vezes e ainda assim ele sempre me diz muito.

Para Maria da Graça
Paulo Mendes Campos

Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?"
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon".Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gato se fosses eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "A minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuido tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor`.
Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Companhia


Era uma conversa de carro, dessas que a gente tem no final da noite. Era aquele momento em que você não sabe se agradece ou se lamenta pela noite ter acabado. A chave virada, a luz apagada e é o suficiente para emergir aquele pensamento conjunto: “quem diria?”.

Anos depois e aquela reflexão sobressalta. Estamos mesmo à mercê da imprevisibilidade da vida. Podemos nos planejar e semear, mas, por inúmeras vezes, a vida decide os traços, independente da nossa vontade. Cabe a nós, portanto, a (re) adaptação, o que não é tão simples quanto reconhecer que é um processo necessário.  A (re) adaptação exige postura ativa e luta contra os nossos principais fantasmas, principalmente os de onipotência ou os de completa impotência, porque o fato é que, entre esses sentimentos, há várias nuances.

Naquele momento, lembramos de todos os preciosos laços afetivos que se foram a contragosto e daqueles que se formaram por pura ironia. Será que podemos controlar o sentimento de amar verdadeiramente as pessoas que “não” devemos? E se desejamos, de fato, manter por perto quem forjou as nossas cicatrizes? E se isso agora for apenas um detalhe e conseguimos verdadeiramente ser felizes com o Encontro?

A conversa versava sobre isso e eu exponho que nunca entendi porque as dores ou os temores, para a maioria, são mais importantes do que a felicidade vivida. Quem ama e perdoa quer por perto, porque as pessoas importam mais do que um título que se foi. Elas importam mais do que qualquer dor ou mágoa. Somente assim podemos apreender a beleza de uma existência compartilhada e celebrar mesmo a longínqua felicidade de momentos vividos.

Como manter aquele fulgor no olhar que revela o esplendor de um espírito que se enamora, se não conseguimos ver amorosamente o mundo e as pessoas? Não importa tanto se o saldo é maior para as belas qualidades ou para os transitórios defeitos, pois é o movimento dessa balança que nos confere o status de Humanos.

Minha companheira me olhava surpresa, sem entender como eu podia “dilatar tanto o coração”. Constatou que eu sou a única pessoa que ela conhece assim. Beijou-me a fronte, fechou a porta do carro e me deixou ali, naquela madrugada. Repentinamente percebi, solitariamente, que me sentia acompanhada por toda a gente.


terça-feira, 20 de abril de 2010

O gato

Através da janela, vislumbrei um gato brincando fagueiramente no
jardim. Há muito havia despertado e o olhar manhoso de outrora se
transmutou em ardente olhar astuto. Verificou cada novo esconderijo
sob as folhagens verdejantes, atormentou borboletas resplandecentes,
perscrutou a casinha das minuciosas abelhas, caçou passarinhos que
teimavam em transitar livremente a despeito do gato... afinal toda
liberdade é um gesto de coragem e risco... O gato percorreu caminhos
elegantemente até encontrar um aconchegante e sombreado lugar na
relva. Aí então se espreguiçou, bocejou gostosamente... ousaria até
dizer que presenciei um sorriso. É... os gatos sorriem às vezes.

(Veronica Gomes)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Conchas

As pequenas conchas na areia relembram um rosto
Imagem que nem o mais voraz dos ventos desfaz
Permanece duna indelével, presente, inabalável
Apenas muda o sentido, o contorno, o movimento
Sob um céu ora nem tão azul
Um céu por hora choroso
Que parecia companheiro daquela aguda dor no peito
E, se surgia sol, seus raios desejavam ardentemente o contorno de uma silhueta
Que talvez acompanhasse a única concha violácea naquele lugar
E, nessa hora, o sopro do mar não mais seria um sussurro de saudade.


domingo, 18 de abril de 2010

Ela


Há uns dias atrás ela já havia transitado pelo meu quarto, perto da cabeceira da cama e, de alguma forma, sua proximidade não me incomodou. Diante dessa reação, cogitei que talvez pudéssemos conviver, se não amigavelmente, pelo menos pacificamente, como seres que se respeitam ou que, pelo menos, se toleram.

Dias depois, entretanto, reconhecendo-me incapaz de sustentar tamanha mansuetude por tempo indeterminado, por fim decidi expulsá-la. Contudo, quando me dei conta, ela havia sumido. Será que adivinhava os meus intuitos? Fugiria ela de mim? Seria eu quem representaria perigo?

Sem haver encontrado as respostas, eis que a reencontro encolhidinha naquele mesmo frio e úmido lugar, fato que deve ter ocorrido por seu descuido, por ironia do destino ou a necessidade de um desfecho. Vendo-a assim parecia inofensiva, percepção nova que se desenhava, diferentemente de todas que já havia tido. Apesar disso, sou assaltada por uma cena do passado.

Para qualquer outra pessoa, o momento que deu origem a essa memória pareceria frívolo, mas não era pra mim. Não foi. Tendo ele ocorrido naquele dia, naquele contexto, no qual estava despreparada, com tantos sentimentos ainda esperando um destino, uma compreensão. Afinal, aquele foi um momento eu que eu me deparei com a frieza do coração humano pela primeira vez, com a falta de compaixão, com a crueldade despretensiosa, como se tivéssemos o direito de manipular vidas e sentimentos sem grandes repercussões.

E agora estava ela ali, novamente diante de mim, impulsionando-me a reviver tudo isso. E ela é mesmo tão pequena, sempre fora, embora por tantos anos tenha sido o estopim de um temor tão grande. Nesse momento, olhando para ela não tenho vontade de chorar, nem quero gritar por socorro. Percebo que ela não foi a grande vilã da antiga historia, foi, na verdade, a vítima. Meu desejo, então, é deixá-la ali, não protegê-la nem ameaçá-la. Agora também ela e tudo o que ela representa já não me ameaça mais.

Talvez esses antigos fantasmas ainda retornem e assombrem alguma noite insone, mas agora, só por esse instante, eu quero mais uma vez deixá-la ficar. Talvez essa seja uma forma de dizer à vida que estou mais forte e que meus pavores podem até existir, mas, certamente, agora não quero mais fugir deles.


sábado, 17 de abril de 2010

Passou

Ah...que saudades daquele tempo...
Que vontade de que tudo fosse como outrora
Tenho saudades da infância e das bonecas que ainda lembro o nome
Daqueles dias de bolo de chocolate coberto de pasta de dente
De perfume que era álcool misturado com sementes de algodão
Das flores mais bonitas, dos campos mais belos, das casas maiores
Do sentimento de que tudo vai dar certo no final
Da idéia de que somos poderosos
De olhar as pessoas sem medo
E se apaixonar como se fosse simples


Por que um blog?

Talvez a idéia de compartilhar pequenos rascunhos, matar as saudades, dialogar com o mundo...expôr um pouco do que pra mim faz sentido, mesmo quando calo. Talvez buscar a sensação de lar não apenas no que tem forma, cor, cheiro e nome...mas no que desconheço.