quinta-feira, 19 de julho de 2012

As tintas


Sempre rio muito quando as pessoas dizem que meu mundo é muito rosa. Na verdade, ele não é! Nem menos nem mais do que o mesmo mundo que é compartilhado por todas as pessoas. Eu, simplesmente, escolho pintá-lo com a cor que eu quero. E bem pode ser azul, vermelho, verde, laranja, depende do dia. Como eu também poderia deixá-lo todo preto-e-branco, se eu quisesse, mas fica mais charmoso apenas em filmes antigos.

Eu quero mesmo é um mundo colorido, ou, se não for possível, um mundo preto-e-branco com um toque ardente de vermelho, porque, nos piores momentos, algo precisa incendiar dentro do peito pra que a gente consiga reagir, consiga erguer a mão e tingir a vida com outros tons. Não que a nossa vida deva ser um arco-íris todos os dias, pois cor em excesso cansa a vista e, desta forma, também não conseguimos preservar uma ou outra coloração necessária para quando nos confrontamos com situações que simplesmente deixam nossas mentes uma tela em branco diante do inesperado.

O impacto de cada tonalidade depende do sentido desejado pelo pintor e (o principal) dos olhos de quem vê! É assim que, quando contemplamos uma tela, fazemos mais do que captar o significado dela, impregnamos o que foi pintado com as cores da nossa própria alma. Destarte, em cada situação da vida, temos um infinito processo criativo, misturamos ininterruptamente a nossa paleta de cores com as cores de outras pessoas.

Então, eu sou muito grata àqueles que dizem que meu mundo é rosa, caso ao ver os meus quadros compartilhem, produzam e reproduzam a sensação de que eles estão impregnados de calor humano, de crença na vida e de amor, por mais piegas que isso tudo soe. O que eu posso fazer, se é mesmo a minha verdade? Posso apenas desejar que cada um tenha, igualmente, uma vida repleta de cores e, por ventura, que possamos juntos pintar algumas aquarelas.


 



quarta-feira, 11 de julho de 2012

O melhor de si


Eu tenho um amigo que diz que sempre faz tudo errado. Confesso que, nesses treze anos em que nos conhecemos, ele realmente teve alguns comportamentos que eu não entendo. Na última conversa que tivemos, após ele ter sofrido um acidente de moto, perguntei-lhe porque ele ainda não decidiu por um rumo, não clarificou seus objetivos e não optou por uma vida mais tranqüila. Sem pestanejar, ele me respondeu: “Porque para encontrar o melhor de mim eu preciso conviver com o meu pior”.

Todos nós fugimos das nossas sombras e das dos demais. Preferimos deixar o que tememos bem escondidinho, camuflar as nossas imperfeições, ressaltar apenas as nossas qualidades. Quanto às outras pessoas, nesse mundo de relacionamentos líquidos, muitas vezes optamos por romper amizades, namoros e casamentos se nos confrontamos com alguma característica “inadmissível”. O que não percebemos é que, muitas vezes, perdemos a oportunidade de trabalhar as nossas próprias fraquezas, as nossas limitações, quando nos damos conta de um defeito, sendo nosso ou não. 

Não raras vezes, quando apontamos a falha de alguém, estamos, de fato, falando de nós mesmos. Não estamos só identificando um defeito alheio a nós, estamos identificando o nosso defeito no outro ou a partir do outro. É por isso que fugimos, talvez não dos demais, mas do que existe de feio em nós.

E então ficamos angustiados, entramos em crise, reclamamos de todo mundo, porque no fundo nos falta mesmo é um pouco mais de paciência, um pouco mais de compreensão e de flexibilidade. Somente resgatando essas qualidades podemos nos abrir à experiência e conseguir encontrar o nosso melhor, e o melhor das outras pessoas, nas situações mais tenebrosas.


 



sexta-feira, 6 de julho de 2012

À distância


Gosto muito dos escritos da Ana Jácomo. Hoje, lendo um dos textos, fixei-me em uma frase: “Que o medo exista, porque ele existe, mas que não tenha tamanho para ceifar o nosso amor.” O contexto é universal, mas aplico em um caso específico: namoro à distância.

Algumas vezes, somos pegos de surpresa pela vida em rumos que antes nunca sequer havíamos pensado. Quem vai com você? Quem fica? Às vezes, não sabemos quanto tempo permaneceremos em um determinado lugar. Entretanto, quando amamos, sempre estamos ansiosos para ter aquela pessoa por perto. Sendo assim, como viver sem prazos ou com planejamentos a médio e a longo prazo? Por que uma pessoa esperaria por você?

Quem já teve oportunidade de vivenciar uma, duas ou mais histórias como essa sabe que namorar à distância é viver com um aperto de saudade dentro do peito. Alguns relacionamentos têm final feliz, outros, ou a maioria deles, nem tanto. O que faz com que cada um trace o seu destino de forma tão diferente?

Uma amiga me dizia que a distancia intensifica a relação e acentua o que é bom e o que é ruim. Como sobreviver a isso? E à saudade? E ao desejo? Talvez um namoro à distância não termine porque acabou o amor, talvez isso ocorra por ter findado a pretensão de lutar por esse sentimento. E a justificativa para essa fraqueza da vontade é a própria distância!

  
Ainda não chegamos aos trinta anos, mas olhamos para os nossos amados tendo certeza de que queremos passar o resto da vida com eles, ou seja, pelo menos uns cinquenta anos. Cinquenta anos! Isso é o dobro de tudo o que eu vivi e, se eu disser que eu tenho dimensão do quanto isso representa, eu estou mentindo. Apenas imagino todo o cotidiano, todas as delicias de uma vida a dois e todos os desafios; as noites de intensa paixão e as noites em que você vai, simplesmente, querer dormir, talvez até sozinho. E então podemos antever um (a) colega de trabalho sexy, as nossas paranóias diante do espelho com o passar dos anos e como tentaremos administrar todas as inseguranças enquanto damos banho nos meninos, arrumamos, botamos no carro e levamos pra escola. Devemos refletir também sobre os dias de bom humor, os dias de mau humor, as contas, o supermercado, a faxina em casa, ou seja, vida real! Não são exatamente as cenas que passam nas novelas das oito. Imagine tudo isso que cogitamos somado a dezenas de acontecimentos que não prevemos e temos 50 anos de casamento!

Vendo esse panorama geral o que seriam dois anos namorando à distância se você tem certeza que é com aquela pessoa que você quer passar o resto da vida? Quantos momentos de distância física e psicológica teremos em 50 anos? Pensar nisso dá medo, e é por medo que os namoros à distância não se mantém. Por medo de quem nos tornaremos, por medo de não conseguir dar lugar aos nossos desejos, por medo de não sermos habilidosos o suficiente para conseguir semear o amor e principalmente por medo de não conseguir manter esse sentimento por um, dois, três anos. Que medo deve dar então quando pensamos em cinquenta! Mas, como diria a Ana, “Que o medo exista, porque ele existe, mas que não tenha tamanho para ceifar o nosso amor.” 





quarta-feira, 4 de julho de 2012

A aparência e o desapego



Estávamos em uma mesa de amigos, conversando sobre ações comunitárias, quando um dos presentes fez um depoimento. Contava que, todos os anos, ela doava suas roupas para instituições que as repassam para quem mais precisava. Até aí seria um fato convencional, o que realmente me chamou a atenção foi a afirmação de que ela não doava apenas as roupas de que ela não gostava ou que já não tinham uso. Ela doava exatamente 50% do seu guarda-roupa. Assim, sem escolha.

O fato é que essa minha amiga é publicitária, e não uma franciscana reclusa desapegada, e ela obviamente precisa andar bem vestida, pelo menos no seu ambiente de trabalho. Além disso, ela não é uma pessoa que compra roupas com freqüência, mas, provavelmente por ironia da vida, ela ganha a maior parte delas.

No outro dia, ao abrir o guarda-roupa para escolher o que usaria para o trabalho, lembrei-me imediatamente daquele relato. Não que eu também tenha muitas roupas, afinal, comprá-las nunca foi um esporte na minha vida, eu sempre me detive ao que era necessário. Porém, possuo peças suficientes para ter dúvidas sobre o que vestir todas as manhãs. Olhei pra elas e fiquei me perguntando como eu faria se eu decidisse doar 50% do meu guarda-roupa. Eu certamente usaria critérios, o que não me faz uma pessoa tão evoluída assim. Por que os critérios? Porque eu também não posso ir ao trabalho com qualquer roupa, já que todos esperam que nós andemos elegantes, bem trajados.

Cada profissão tem um perfil de vestimenta, como se isso fizesse parte da sua formação acadêmica, quando não da sua personalidade. Infelizmente nos orientamos por essas convenções, mas penso como seria bom se pudéssemos ir trabalhar com o estilo de roupa ou tipo de roupa que queremos. Como seria bom se a imagem não fosse mais valorizada do que a nossa competência. Se as pessoas sorrissem pra você, não após a avaliação completa do seu look do dia, mas simplesmente por retribuir o sorriso verdadeiro que você ofereceu primeiro.

Alguns diriam que isso acontece porque a aparência é a primeira coisa que podemos avaliar em uma pessoa. E eu pergunto, por que não focar se há ou não brilho no olhar, sorriso no rosto, segurança na postura? O que acontece é que no mercado profissional, juntamos a roupa, o cabelo e a maquiagem, com a expressão corporal, analisamos o que é dispensável e o indispensável e no somatório esperamos profissionais modelos de revista. As sutilezas ficam em segundo plano e são as sutilezas que trazem o desgaste das relações de trabalho no dia a dia.

Pensando bem, devíamos adotar o hábito dos 50% em várias esferas da nossa vida. Devíamos fazer esse balanço pelo menos uma vez por ano e deixar ir não só as roupas, mas também os comportamentos e valores dispensáveis.